quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"Do Poeta E Suas Atribuições Legais..."



“É facultado ao poeta
ser, tão somente,
o resultado da sua poesia...”

Foi germinado de semente estranha
que brotou e se desenvolveu
feito flor no deserto – meio incerto...
Abriu-se um poeta ao mundo
nos tempos em que ainda era analfabeto...

Não era de ouro, nem de diamante,
não era esponsal, não era amante:
era um simples poeta,
desses que a gente não entende
e, ainda assim, diz que gosta...

O bom de deixar a vida
subir e descer qual maré,
é apreciar os tempos que virão
sem transformá-los em brasa.
Cair nas contradições
das próprias desatenções,
virando um poeta do absurdo
e, ao mesmo tempo, ser belo,
ser sério e o que é brinquedo...


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Sonata"



E decanto esta palavra
cada letra com que conto
e que canto em serenata
o prazer que te componho.

A beleza de tuas formas
fez cabal esta aridez
que desertifica o peito
e no efeito impõe a sede
de amar com mil orgasmos
pelo chão, poeira ou rede,
ressecando a minha sede
saciada em beijos d'água...

Acabada esta malícia,
e o suplício dos suspiros
do meu corpo no teu corpo,
do meu todo em teu silêncio
quando tudo na palavra
muda o nada e o acaricia...

E decanto um novo dia
pelos tons da tua beleza
jovem deusa, musa insana.
Vem, profana esta delícia...
Vem, carícia e gozo incerto...
Chega perto, morde a carne...
Bem covarde e semiárido
eu me inundo do teu beijo
tão agreste a colher flores...


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Uma Sexualidade Muito Forte..."



Manhã clara, quase transparente,
que me deseja bom dia...
Manhã de alegrias e encantos poéticos
nas persianas de alumínio...
Manhã de sorrisos,
de cachorros vadios,
caminhando nas praças e rodoviárias...

Manhã de sol, de orvalho sorrateiro.
Manhã de encontros e de despedidas,
gente que vai trabalhar,
gente que vem da labuta,
gente que fica...

Manhã pura, manhã canção,
rebento amanhecer.
Manhã de alentos e de acalantos
que nos chega com a brisa...
Manhã de amores que nascem do nada
e fecundam um dia de plena harmonia...

Eu mal acordo, vejo o amanhecer.
Tento não ceder ao desejo linfático
de fazer amor a três mil por hora
e só sossegar ao cair da tarde...


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Empírico"



Bebo o sumo desta vida
quando o proibido encanta
e decanta as latitudes do meu ser.
Pago para ver lampejos d'alma
com toda a calma de qualquer poeta
e toda a chama de qualquer prazer.

Desejo o beijo de um instante
cuja paz me arroube o peito
e a dúvida me seja melindrosa.
Forçosa mentira de encarar a vida
com signos ilusórios e desamparo dos dias
além do abraço orvalhado das noites...

Bebo o sumo da existência,
provo a essência de viver...
Quero saber dos teus segredos,
quero provar teus desafetos,
anseio por todo e qualquer signo...

Não temo: a dúvida perfaz
o equilíbrio entre o espaço e o tempo.
Confiante, melindro o meu viver
com a chama de qualquer poeta
e a calma de qualquer prazer...



(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Assentimental"



Cristais pendem dos meus olhos
despencando, latitudinalmente,
infartando toda a existência
feito penitência sem dó.

Segredos cristalizam no tempo
e, nitrogenados, se quebram,
rompendo ventos silentes
que, entrementes, conduzem-me
àquilo que já não me apraz.

Assaz latitudinalmente
despenco com os olhos silentes
em cristais de brisas inerentes
a rumos nitrogenados
pela palavra aprazível que rompe
meu verso branco e final.


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Cobras & Lagartos"



Escondo-me em postas-restantes
Para apartar-me da cicuta
Que circula em verso e prosa.
Resguardo-me ao silêncio
Para insistir, despercebido,
num descabido modo de inércia.

Refaço-me de perdas e dogmas
Para excluir-me de qualquer rotina
E de toda estricnina que despejas.
Transcendo-me nos versos
Em que confesso um desrumo improvável
Para agregar-me ao mais infame dos vernizes.

Emudeço:
A palavra não contada
É proteção de uma Alcatraz feita de nuvens...


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"A Sutileza Do Inhame"



Febris formas soturnas
que dissecam o orvalho
a gotejar-se sobre meus versos.

Satisfaço-me com tal plenitude
e de maneira pernóstica,
regalando mil idiossincrasias
e outras neuras matutinas
nos meus versos mais infames
e inflamados por geadas.

Aquece-me a alma a coerência
que alimenta, feito inhame,
um poeta somali em su'alma
a discorrer formas incertas
para depois plantar batatas...



(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Longitudinidades"



O quão meu desejo é biomolecular
ninguém faz conta.
Porém, sobejo a olhos vistos
na tua carne ardente e farta
e em tua alma pura e puta.

Dignifico o quinhão dos querentes
e, lentamente, rastejo
por entre toscos painéis da fissura.
É neste ensejo que o corpo
almeja por toda a ternura
a temperar uma loucura devassada.

É quando, de alma frenada,
me desafogo num beijo
que é puro prazer desta santa
num puto afã de desejos.



(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Molde"



Único sou ponta dos dedos,
qual molde exclusivo e descartável.
Bondade, mistério assim escolhido,
matéria perfeita, imperfeito fluido,
vontades ardentes, paixões, coração,
evolução comumente – em mente, amor...

Faria um pária, rapariga freira,

abrandando bravos uivos ferozes.
Cortejo ou romaria em longo encanto:
meu molde exclusivo e descartável.


(17/11/1989)


 (in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Da Força Do Mar"


Era azul,
brilhava lambendo-me a pele,
salgava-me os lábios e azul reluzia,
rasgava-se a terra na força do mar:
tão pálido pranto deixei-lhe roubar...

Fiz de você pão e café...
N'água salgada era sol,
era carne molhada, despido pudor
de um sexo expulso,
da força do mar...

Minha força era nossa,
o mar que era céu,
o mar que era amar,
fez-se meu – seu, não...

(13/08/1990)


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Solidão"



Eu, só, mente:
é mentira – há coisas ao meu redor.
Objetos mentirosos,
solidão.

Eu, comigo pronomes
e mais: são nomes e coisas com as quais convivo.
Corpos independentes,
solidão.

Eu, tu, útero.
Não havia a solidão de todos os dias.
Corpos ligados,
solidão...



(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Irã"



Ao servir o xá ao aiatolá
o mundo desaba em parcial amnésia,
guardando os livros de História nas gavetas
e apreciando velhos manuais de guerra.

E o mundo se distrai nos mictórios
de toda a supremacia sem limites
na qual os selos de pureza d'alma
são trocados por carimbos “Made In China”.

Livros de História ficam às traças nas gavetas
enquanto sistemas de governo
podem ser adquiridos nas páginas amarelas.



(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Rotina"



Acordo, durmo,
durmo, acordo,
cochilo, durmo
e acordo outra vez...

Levanto-me higiênico,
trabalho, volto para casa,
janto, horário nobre,
televisão, sono...

E durmo, acordo,
durmo, tenho pesadelos,
sonhos tristes que me custam a noite
porque custam a acabar
e acordo, depois durmo,
de novo...

E sonho com o dia,
tão distante que mal o vejo,
no qual sorrio de olhos infantes
tão somente por viver algo
diferente da rotina...

Mas aí acordo
e só por isso durmo,
acordo e durmo outra vez...



(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Há Vácuo"



Vazio, sombrio, sêmen:
poeta de olhos na lua,
na rua da amargura,
por uma vulgar perdição...
Sombrio, silêncio, sempre:
solstícios cartográficos,
no pleno coração impuro
de tanto nada...

Complexo, adjetivo, abissal:
equinócio mórbido
de uma poesia
esquizofrenicamente una...
O poeta soletra
a dimensão da vida
numa declaração de esperança
sombria e crua,
carcomida e trôpega,
de uma mente vã...

O vácuo, o silêncio nulo
do poeta sombrio
de sêmen abissal.
Obsoleto poeta
que destempera a vida
num poema que indaga:
que vida, que poema,
que nada?


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Paisagem"


Olho distraído
a paisagem da janela:
as serras idosas
já não são mais celestes
e o céu agora
é da cor de uma uva...

(10/08/1989)


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Luz & Paz"


Vi a luz:
era bom te amar, tão sublime,
amor que alto voa.
Voraz sentimento:
ele existe
na paz, encontro luz
que, agora,
sonhar espero – à toa...


(13/08/1990)


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"Brisa"


Brisa, cante mais veloz...
Dê-me teu beijo seco e sem língua.
Corre pro tempo contra o que passa.
Corre: senão o tempo passa e tu ficas...


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)

"O Parnasianista"



Oh, ambigüada esfera orbitusa
Que aesembeta a lomifídica pofra
Pacaíndas a prole lambaudicínica
Na tussona undêpa charmorífera.

Pracifiste o belo gragaudo reto
Ondificando jampo celesto
Quifo a brituíbida zacrobacia
No ritmo da esprataca varoxia.

Nabondo, acenorando e agriando
Percluroso percloreto mamado
Pacaíndo pacato e imediatista.

E se não entendes a undêpa de prócio
Pracificas o híssio muito além do ócio
E verás o quanto sou parnasianista!


(in "Goiabada Démodé" - obra não publicada)